sexta-feira, 25 de dezembro de 2009

O PAPAI NOEL

Em pleno dia de Natal, num almoço em família...de uma pequena família aliás, entre um prato e outro de comidas, um assunto emenda no outro, fala-se de crianças, especialmente de filha e sobrinha, de educação, hábitos, valores, ascendência e descendências... constituição física, lembranças de família... Lembro do meu avô.
O único que conheci. Um homem simples. Alto, calvo, de bigode e cabelos negros, pele branca e um nariz bem desenhado. De traços delicados mas com um jeito de falar meio rude, com um coração imenso. Me contava estórias. Não dessas lidas nos livros de contos de fada mas as que ele inventava com os elementos que tinha de suas vivências e andanças por esta cidade. Um homem com alma de menino. Traquinas! Divertido.
Adorava a natureza e os animais! Tinha tudo em seu quintal. Bananeiras, goiabeiras, seringueira, pessegueiro, laranjeira, cenouras, alfaces, muitas flores. Até a perfumada dama da noite! Acolhia os bichinhos. Desde os pombos e pardais que por lá passavam e botavam seus ovos num imenso gaiolão aberto e democrático, como também os coelhinhos de olhos vermelhos e pelos branquinhos e os marronzinhos. Tinha preás, patos, gansos, tartarugas e galinhas. E o cachorro salsicha velhinho e quase cego que vivia acompanhando minha avó para lá e para cá. Um lugar mágico para mim! Onde eu podia realizar os meus sonhos de menina pelas mãos do meu avô. Tomei muito banho de mangueira, enfiei o pé no formigueiro, derrapei de carrinho de rolimã que ele construiu para eu descer a ladeira de paralelepípedo ao lado de sua casa. Inúmeras vezes me balançava debaixo da seringueira, com toda a paciência do mundo, e orgulhoso de ver o sorriso no meu rosto de ir e vir naquele balanço improvisado com uma corda e um pneu velho. Como eu gostava daquilo! Ia tão alto que chegava a ver o quintal da casa da vizinha. Uma portuguesa que plantava rosas.
Pegar carona com ele para qualquer lugar era uma aventura! Ele olhava para todos os cantos menos para frente. Ainda ouço os sons que a minha avó emitia no banco do passageiro do fusca azul, às vezes de susto outras de aflição ou desespero pelas barberagens que ele fazia no trânsito. Os dois discutiam e eu ria. Ele nunca admitia as bagunças que fazia. Mesmo assim, ele foi por algum tempo o motorista de uma Kombi que levava e trazia as crianças da escola. Elas nunca se acidentaram com ele na direção. Só eu uma vez que tive os meus dedos prensados na porta da Kombi e nunca vi meu avô tremer tanto... seus olhinhos eram pequenos mas naquele dia ele os arregalou de uma forma indescritível. Senti a dor nele. Coitado!
Meu motorista preferido. Me levava ao ballet três vezes por semana, às oito da manhã. Para isso, atravessava a cidade, da zona norte a zona sul. O mais legal era poder dirigir enquanto ele acelerava! Virava a direção para lá e para cá, me sentia gente grande. Gostávamos de buzinar. Eu e ele.
Me levava na feira para comer pastel e ia me apresentando as frutas as verduras, as saladas, os peixes. Queria que eu experimentasse de tudo.
Vez em quando, depois de muito insistir com minha mãe, ele me levava para a escola.
Entrava naquele colégio lindo! Perfumado de eucaliptos, coloridos com azaléias de todas as cores e pinheiros por todos os lados. Estacionava perto do campo de futebol, ao lado da capela com a estátua de São Franciso. Delicadamente me ajudava a descer do carro e carregava a minha lancheira até o galpão próximo de minhas outras coleguinhas.
Meu coração ficava apertado! Era tudo tão divertido quando estava ao lado dele que ficava difícil dizer tchau. Meus olhinhos se enchiam de água e abraçava ele forte para não ter de desgrudar. Ele ficava desmontado. Olhava para mim com uma cara meio de “Sullivan” e me levava com ele para o parque para ver o monjolo que moía o milho, os peixes no lago do parque Alfredo Volpi. Tomávamos um picolé, ou então comíamos pipoca. Depois, voltávamos para casa, no final da tarde. Minha mãe preferia me levar para a escola. Ela devia desconfiar quando ia com ele para a escola.
Conforme fui crescendo, além das estórias, ele me ensinava palavras em italiano. Fazia perguntas de adivinhação, falava de variedades e curiosidades em todos os assuntos e adorava contar piadas! Também me ajudava a subir na amoreira em frente da minha casa para colher amoras. Dava palpites na comida que a Dona Júlia preparava deliciosamente e a deixava irritada. Não poupava esforços para defender o netinho das brigas que arrumava nos jogos de futebol com os vizinhos. Assobiava canções antigas e cochilava depois do almoço aos domingos. Levava a minha avó em todos os rituais religiosos. Budistas, espíritas, católicos,... mas não tinha paciência de assistir culto algum. Preferia jogar dominó. Vivia tirando ela do sério. Brigavam e se amavam com a mesma intensidade. Não bebia e nem fumava. Sofria do coração e por isso nunca ia conosco para a praia nas férias. Se sentia mal no litoral. Foi internado algumas vezes mas nunca perdeu a alegria e se fazia de forte. Não suportava deixar a gente preocupado. Lembro-me uma vez que voltei de férias e ele estava banguela. Fiquei horrorizada! Ele me disse que havia subido no telhado para consertar as telhas e ao descer havia caído da escada. Hoje, meu primo Marcos desmentiu o ocorrido. A verdade foi que ele era muito curioso e estava sempre querendo ajudar os outros. Assim, viu um tumulto e se aproximou para apartar a briga no bar ao lado da casa dele. Acabou apanhando e ficou sem os dentes. Numa outra vez, voltando pela estrada com minha mãe e avó, viu um acidente com muitas vítimas e não pensou duas vezes: parou, fez as duas descerem, encheu o carro de feridos e os levou ao hospital. Esse era o meu avô. Foi de tudo um pouco na vida. Padeiro, carpinteiro, perueiro, contador de estórias,... morreu num dia de janeiro em pleno verão enquanto eu curtia as férias na praia. Voltamos tristes pela estrada quente num carro lotado de bagagens e gente. Ele era o meu Papai Noel 365 dias por ano.

O PRESENTE é a presença mesmo que seja em mente.

Feliz Natal!
PatyZ.

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